CENTRALIDADE DO PLANO DIRETOR NO PLANEJAMENTO DAS CIDADES BRASILEIRAS

No Brasil, as bases para o planejamento das cidades estão estabelecidas no Estatuto da Cidade (lei 10.257/2001). O Estatuto da Cidade pode ser considerado o principal marco legal para o desenvolvimento das cidades, junto à Constituição de 1988, de onde originam seus princípios e diretrizes fundamentais. Ele estabelece as normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.

Já no seu artigo 2º, o Estatuto da Cidade dispõe que “a política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana”. Mas, o que isso significa? De forma geral, são duas coisas:

  1. A propriedade urbana, embora privada, deve ter uma função social. Em tese, o dono de um terreno baldio tem o direito de fazer dele o que preferir, correto? Contudo, se for melhor para a cidade como um todo que aquela região onde o terreno se encontra seja exclusivamente residencial, é legítimo que o poder público fixe a obrigação de que apenas moradias sejam instaladas ali. A propriedade continua sendo privada, porém sua função social será garantida pela exigência que a lei impõe sobre seu uso.
  2. No Brasil, assim como em outras regiões subdesenvolvidas do planeta, as cidades cresceram de modo desordenado, criando problemas como a degradação do meio ambiente, os longos deslocamentos, a falta de saneamento básico, entre outros. Cabe à política urbana induzir o desenvolvimento inclusivo, sustentável e equilibrado, de modo a corrigir essas distorções históricas

Assim, o planejamento urbano deve ir além dos aspectos físicos e territoriais, encarando o ordenamento do território como um meio para cumprir objetivos maiores, a citar:

  • Garantia do direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações;
  • Oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços públicos adequados aos interesses e necessidades da população e às características locais;
  • Evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente.

É nesse contexto que se introduz o plano diretor como ferramenta central do planejamento de cidades no Brasil. Conforme os artigos 39º e 40º do Estatuto da Cidade, o plano diretor é “o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana”. É ele quem deve promover o diálogo entre os aspectos físicos/territoriais e os objetivos sociais, econômicos e ambientais que temos para a cidade. O plano deve ter como objetivo distribuir os riscos e benefícios da urbanização, induzindo um desenvolvimento mais inclusivo e sustentável.

Fica ainda mais nítida a importância legal atribuída a esse instrumento uma vez que consideramos três fatores:

a) Legalidade: o plano diretor é um instrumento estabelecido na Constituição Federal de 1988, regulamentado pelo Estatuto da Cidade. Os demais instrumentos de planejamento de governo – o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e o orçamento anual – devem incorporar as diretrizes e as prioridades nele contidas.

b) Abrangência: o plano diretor deve abranger o território do município como um todo. Não está restrito a bairros ou partes específicas da cidade.

c) Obrigatoriedade: sua realização é obrigatória para municípios com mais de 20 mil habitantes, o que significa afirmar que para quase ⅓ (31,6%) dos municípios brasileiros o plano diretor não é uma opção, é uma obrigação. Mais importante ainda, significa afirmar que pelo menos 84,2% da população do país vive em municípios que (em tese) deveriam ter seu desenvolvimento econômico, social e ambiental regido por um plano diretor.

Por fim, cabe destacar que o Estatuto da Cidade mantém a divisão de competências entre os três níveis de governo (Federal, Estadual, Municipal), concentrando na esfera municipal as atribuições de legislar em matéria urbana.

MAS, AFINAL O QUE É ENTÃO O PLANO DIRETOR?

O professor Flávio Villaça, da USP, define plano diretor como:

Um plano que, a partir de um diagnóstico científico da realidade física, social, econômica, política e administrativa da cidade, do município e de sua região, apresentaria um conjunto de propostas para o futuro desenvolvimento socioeconômico e futura organização espacial dos usos do solo urbano, das redes de infraestrutura e de elementos fundamentais da estrutura urbana, para a cidade e para o município, propostas estas definidas para curto, médio e longo prazos, e aprovadas por lei municipal. (Villaça, 1999, p.238)

Essa definição acadêmica pode parecer complicada, por isso dividimos a definição do que é plano diretor a partir de três aspectos: seu propósito, seu processo e seu produto.

Quanto ao produto: o que é afinal um plano diretor?

O plano diretor é uma lei municipal, elaborada pelo poder executivo (Prefeitura) aprovada pelo poder legislativo (Câmara de Vereadores), que estabelece regras, parâmetros, incentivos e instrumentos para o desenvolvimento da cidade. Ele atua em sentidos distintos, porém complementares:

  1. Obrigando aos privados (empresas, cidadãos) o cumprimento de certas exigências (por exemplo, restringindo os usos permitidos para os terrenos ou imóveis).
  2. Incentivando ou induzindo os privados a tomarem certas ações (por exemplo, estabelecendo incentivos tributários para a instalação de empresas em certos locais).
  3. Comprometendo o poder público municipal a realizar investimentos, intervenções urbanas e afins (por exemplo, ampliando a infraestrutura urbana ou a oferta de equipamentos públicos em determinadas regiões).

Quanto ao processo: como se faz um plano diretor?

O próprio Ministério das Cidades publicou um guia basilar para elaboração dos planos diretores que estabelece uma série de etapas para sua elaboração, priorizando a participação social em todo o caminho. Ele começa com o estabelecimento de um núcleo gestor com participação de lideranças dos diferentes segmentos da sociedade (governo, empresas, sindicatosmovimentos sociais), segue com a realização de uma leitura (tanto da perspectiva técnica quanto da perspectiva comunitária) da cidade como é hoje, passa à elaboração e discussão de uma minuta de lei e, finalmente, a aprovação na Câmara Municipal.

Nesse aspecto, apontamos dois aspectos centrais do plano diretor:

  • Político: é necessário equilibrar aspectos técnicos e políticos, pois planejar é fazer política. Um plano tecnicamente bom pode ser politicamente inviável, e um plano politicamente justo pode ser tecnicamente impraticável. Vivemos em uma democracia, onde aspectos técnicos sempre precisam passar por uma discussão política.
  • Democrático: o plano diretor se estabelece como um instrumento (em tese) democrático, uma vez que pressupõe a realização de audiências públicas abertas, com ampla participação. Os moradores devem ser chamados a participar do debate sobre a cidade que eles mesmos querem.

Essa abordagem vem ao encontro da diretriz do próprio Estatuto da Cidade, que pressupõe a gestão democrática, com participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano.

Quanto ao propósito: para que serve afinal um plano diretor?

Conforme já apontado, cabe ao plano diretor criar as bases para uma cidade inclusiva, equilibrada, sustentável, que promova qualidade de vida a todos os seus cidadãos, reduzindo os riscos do crescimento desenfreado e distribuindo de forma justa os custos e benefícios da urbanização. Além disso, o plano diretor fornece transparência para a política de planejamento urbano, ao instituí-la em forma de lei. Diretrizes urbanas sempre existirão, a diferença é que com o plano diretor elas ficam explícitas, disponíveis ao cidadão para criticar, compreender e atuar sob “regras do jogo” bem definidas. Com ele, o cidadão pode decidir melhor ao escolher onde comprar uma casa para morar, o empresário pode escolher melhor onde investir em um novo negócio.

Apresentamos a você o que é o plano diretor, como ele deve ser elaborado e para que ele serve. Contudo, será que na prática ele funciona? Para saber mais, continue aprendendo no próximo texto da trilha!

Fonte: https://www.politize.com.br/plano-diretor-como-e-feito/